Não é raro ouvir dizer, mesmo entre os DJs lisboetas, que a noite do Porto tem uma outra energia. Não quero com isto comparar públicos, estabelecimentos ou mesmo DJs, no entanto, há que reconhecer que o Porto tem uma dinâmica diferente de Lisboa. É uma noite essencialmente descentralizada, que durante anos teve mais espaços de cultura musical underground (depois do COVID, Lisboa assistiu a um enorme boom deste tipo de espaços – Vago, Sala Lisa, Planeta Manas, Outra Cena… o que tornou a cultura musical de ambas as cidades não só mais equitativa, como levou a um maior intercâmbio de DJs entre o Norte e o Centro do país), o tamanho reduzido de alguns destes espaços permitiu não só o desenvolvimento e fixação de um público, como deu aso a um carácter mais experimental em termos musicais; como – apesar do tamanho e densidade populacional inferior e do pensamento centralista político dominante que em muito “atrasou” o Porto – não deixou de ter as suas catedrais musicais como é o caso do Gare e os seus DJs que abriram portas e fizeram escola, tal como é o caso do Serginho, André Cascais ou Gusta-vo.
Actualmente, a relação entre Lisboa e Porto já não é a mesma e a prova disso, é a presença regular de DJs tais como o Tiago Carvalho na nossa cidade. Penso que num país tão pequeno e onde durante tantos anos fomos somente um par de DJs que dava corpo ao “underground”, que a falta de circulação e a obsessão de querer fazer tudo nos centros (Lisboa-Porto-Algarve), sempre provocou-me uma enorme perplexidade (como se o regionalismo português fosse de tal modo profundo que mesmo na cultura encontramos este estigma tão presente).
Contudo, o norte do país organizava festivais de música (tal como é o caso do Neopop), formava colectivos e festas (poderia citar inúmeras, mas pelo carácter disruptivo relembro a Ácida) e nutria ainda um projecto de rádio e associação cultural sem fins lucrativos como é o caso da Alínea A (mesmo antes da Quântica).
É certo que esta introdução pouco diz do nosso convidado, mas tenta mapear um território (por vezes secundarizado) da cultura musical e a importância vital que este panorama teve na restante cena underground portuguesa (para não falar, de outros géneros musicais, como o hip-hop ou o soul, onde figuras como o Pedro Tenreiro foram absolutamente essenciais). Além de que o Tiago Carvalho, a norte, já somou inúmeras conquistas, tendo tocado em diferentes clubes como o Indústria ou o Central ou ainda em festivais como o Elétrico ou o Neopop. Mas o Tiago Carvalho não é só um DJ do Porto, é também um elo entre o Porto e Lisboa, não só por ser uma presença regular na cabine do Ministerium, Harbour ou do Lux, como é exemplo de que é possível estabelecer um diálogo, uma amizade, uma cumplicidade musical além dos regionalismos.
A par com o Tiago Marques, formaram os Space Riders, um projecto de djing e uma editora, onde ambos os Tiagos procuram encontrar afinidades e afirmar as suas idiossincrasias. Até porque, o Tiago Carvalho tem uma linguagem musical muito própria, mais celebratória, luminosa, imbuída no espírito do house underground e do tech-house, onde podemos encontrar certas afinidades com o Francesco del Garda e outros que tais. É certo que ambos os Tiagos procuram o lado mais escuro da música electrónica – e exemplo disso, é o último set do Tiago Carvalho para a Alínea A – porém, mesmo nos temas de techno mais sombrios, há sempre elementos de voz, pontos de luz, que dão uma outra coloração ao set e à linguagem do Tiago Carvalho. É por isso um prazer receber de novo o Tiago Carvalho na nossa cabine, mostrando que a missão do Harbour é ser palco para todo o país que luta pela música e cultura underground portuguesa.