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Michael Melchner

Michael Melchner continua a ser a prova viva de que a cena berlinense é ainda um dos centros nevrálgicos da música eletrónica underground. Talvez os tempos do Eldorado musical se estejam a desvanecer, mas houve sem dúvida uma certa pressa em decretar o óbito à cena berlinense, quando certas estrelas internacionais fizeram de Berlim a sua residência e quando o techno foi considerado património cultural pela UNESCO.

Para quem habita nas margens e faz do underground o seu habitat, é claro que sente estes sintomas como os indícios de um corpo moribundo, acrescendo o facto de que um dos clubes mais emblemáticos da cidade vai fechar portas no final deste ano, o Watergate. Mas Berlim é ainda um mundo, e clubes tais como o Berghain-Panorama Bar, Tresor ou Club der Visionäre fazem parte de uma elite de discotecas mundiais que continuam a ditar tendências e a firmar DJs na constelação de nomes internacionais.

E claro, o que para alguns virou um lugar de escárnio e piada fácil (por vezes, há que reconhecer o ridículo, mas outras vezes não deixa de ser curioso ver como o comboio da História passou por estas vozes “puristas”), mas o HÖR continua a ser uma referência incontornável na difusão online de música. E o nosso próximo convidado tem dois belíssimos sets disponíveis, um showcase enquanto Omega Men (editora berlinense fundada pelo próprio Michael Melchner e Paul Tiedje) e outro a título pessoal, e apesar da distância de 4 anos entre os sets, não deixa de ser notável a coerência entre ambos.

Mas mesmo entre aquilo que toca e produz, Michael Melchner é de uma enorme solidez; um universo sem dúvida muito próprio, onde o techno mais minimalista, hipnótico e árido é combinado com o house mais sombrio. Se formos consultar a sua biografia no RA, aquilo que num primeiro momento não deixa de ser uma brincadeira bastante inteligente para evitar pretensiosismos sobre si mesmo e sobre eventuais rótulos musicais, é também uma chave para descodificar as vibrações, os sons e os ritmos que o influenciam.

A Terra e a máquina, o espacial e o aquático, o etéreo e o concreto, o gasoso e o bruto, são algumas das categorias possíveis que podemos utilizar para descrever aquilo que o Melchner nos propõe enquanto programa estético. Não é por acaso que um dos seus mais recentes discos, editado pela Bloop Recordings [BLOOP026], tem por nome Radical Utopia. Há sem dúvida um gesto utópico naquilo que produz e toca, uma vontade de conciliar elementos distantes, pô-los em comunicação, como se os elementos mais aéreos, atmosféricos, de viagem, pudessem ser combinados com sons metálicos, vozes manipuladas ou robóticas e ainda com certos elementos aquáticos, como se a própria música fosse produzida debaixo de água, abafada e transformada pelas forças da natureza.

Não nego um certo esoterismo na descrição deste DJ/produtor, mas a sua excelência é de difícil classificação, podemos apenas aflorar certos elementos e vibrações que ele convoca, mas qualquer tentativa de captura, qualquer consideração mais assertiva, seria um erro, uma ilusão. Os grandes DJs e produtores são assim, feiticeiros com um quê de cientistas capazes de manipular matéria, partículas, substâncias, tornar o reconhecível em irreconhecível, o físico em metafísico. Mas visto que as palavras não chegam, o melhor é ir ao Harbour no próximo domingo de manhã, acompanhado por um dos nossos favoritos, o Cruz, e comprovar por vós mesmos aquilo que neste texto não podemos fazer justiça suficiente.