Não é a primeira vez que o digo e certamente que não será a última, mas mais difícil que escrever sobre um DJ que admiro, é escrever sobre um DJ que é meu colega e amigo. Penso cada vez mais, agradado com o caminho da vida, que melhor do que a descoberta de um disco, de um tema que nos abre para um outro mundo, para uma outra possibilidade, para uma outra frequência, só as pessoas que a música traz. Porque essas pessoas além de fazerem parte de um mesmo universo, são ainda dotadas de uma linguagem comum.
E essa linguagem torna-se ainda mais exclusiva quando partilhamos a mesma gramática, quando tocamos lado a lado e o meu disco é a continuação do disco do outro, quando uma palavra como “solar” ou “escuro” significam o mesmo acorde, quando aquele tema é também o nosso tema. É certo que aquilo que torna o Kaesar especial vai muitíssimo além desta relação e de tudo aquilo que possa dizer, até porque muitos outros poderão dizer o mesmo ou mais ainda, visto que além do trato fácil e gentil que todos lhe reconhecem, o César é uma das figuras chave do underground português, com uma carreira de mais duas décadas e que certamente tocou a vida de muitos com os quais partilhou a cabine e a pista. Acredito até que não caberia no espaço deste texto todos os nomes importantes que ele gostaria de ver reconhecidos, mas não posso deixar de destacar o Magazino, o Cruz ou o Tiago Marques, com os quais partilha um dos mais importantes projectos de música electrónica underground em Portugal, a Bloop. Não só
porque estamos ainda na esteira da última celebração em homenagem ao Magazino, como a Bloop representa na história do Kaesar e da própria música electrónica, um marco que reflecte simultaneamente o seu crescimento enquanto DJ, como do panorama artístico português. E nesta breve e pequena história da música electrónica em Portugal, o César é um dos agentes que se confunde com a própria história da cena, porque além de DJ, é também um experiente raver que compreende a essência de uma festa e de um DJ set. Esteve lá no princípio do Boom,
da Bloop, do after e do clube, da festa à tarde e da rave madrugada fora, conheceu o cá dentro e o lá fora, aprendeu esta história porque a viveu, dentro e fora da cabine, ao lado e a dançar os DJs que dela fizeram parte e isso é talvez o mais importante conhecimento que um DJ pode ter. E é com esta história que constrói a sua mala de discos, que se entrega à pista, que cria música, que toma conta da cabine e que forma uma geração de ravers educados naquilo que melhor se faz na música electrónica. Sem dúvida, este gesto de partilha é de uma enorme generosidade, que não deixa ninguém indiferente quando o conhece. Há vários motivos que nos levam a sermos DJs, mas os motivos do César parecem-me dos mais nobres e puros que há, o amor à música e a entrega à festa. E foi com este mesmo espírito que abraçou o projecto do Harbour e que não poderia deixar de reconhecer. Mais do que um prazer, é um honra ser amigo e colega do César e sei que para muitos é um prazer ouvi-lo regularmente no nosso porto. Este próximo fim-de-semana não será diferente e este texto só peca por não ter sido escrito mais cedo.